Imagine trabalhar em um mesmo local ou empresa por ininterruptos 45 anos, e que este emprego tenha sido o seu primeiro e único até hoje. Alvinegro desde sempre, o roupeiro João Bernardo, mais conhecido como Joca, é o funcionário mais antigo do ABC, tendo chegado no clube no dia 22 de janeiro de 1970.
- Cheguei no ABC em 1970, quando eu tinha 15 anos de idade. Vim para as categorias de base, para ser roupeiro, e somente em 1977 eu me tornei o roupeiro do time profissional, e graças a Deus até hoje estou aqui - disse.
Natural de Macaíba, Joca está prestes a completar 60 anos de idade no dia 26 deste mês - três dias antes da data dos 100 anos do clube - e conta algumas curiosidades do seu dia a dia no Alvinegro. Responsável por organizar todo o material utilizado pelo plantel abecedista ao longo dos últimos 45 anos, ele admite sentir um carinho especial por duas camisas.
- A camisa 10 e a camisa 9, para mim, no futebol, são os números mais especiais. A camisa 10 do ABC para mim é um orgulho, porque foi vestida por Danilo Menezes, ex-Vasco da Gama e seleção uruguaia, e Alberi, craque que recebeu a Bola de Prata em 1972. Então eu sempre trato ela com muito carinho - explicou.
Com tanto tempo de clube, Joca já conviveu com diversos jogadores que passaram pelo ABC, como Alberi, capitão Edson, Danilo Menezes, Reinaldo, Dedé de Dora, Sérgio Alves, Ivan, João Paulo e Wallyson, e sabe muito bem o que significa ter um "bom vestiário". Segundo ele, o relacionamento com os atletas sempre foi o melhor, com muito companheirismo e respeito. Mas é claro que, entre tantos jogadores, existem os especiais, aqueles atletas com os quais ele teve e tem uma relação mais próxima.
- No momento, o meu xodó é o Fábio Bahia. Ele costuma me chamar de 'meu avô' e sempre foi um jogador especial para mim - revelou.
Além de ter uma boa convivência com os jogadores e a comissão técnica, para ser roupeiro de um clube é necessário também aprender a lidar com as peculiaridades de cada jogador. Alberi é considerado por Joca um dos maiores craques com quem ele já trabalhou, e o camisa 10 do esquadrão de 72 também tinha as suas manias e vaidades. Com um ar nostálgico e um sorriso no rosto, Joca relembra a forma descontraída como Alberi costumava se referir a si mesmo para o roupeiro.
- Ele chegava e falava: 'Joca, prepara aí o material do Negão 10'. Em tudo que falava, ele dizia 'Negão 10', e eu já sabia, que quando eu estava arrumando o material dele, eu dizia: 'A camisa 10 você sabe de quem é, é do Negão Bola de Prata'. Sempre o tratei com muito carinho - revelou, lembrando ter o mesmo tipo de relação de amizade e admiração com outros craques, como Jorge Demolidor e Reinaldo.
Em 45 anos de trabalho no ABC, Joca já participou de 21 conquistas estaduais, entre elas os dois tetracampeonatos de 1970 a 1973 e 1997 a 2000, além do tricampeonato de 1993 a 1995. Ele também esteve presente na maior conquista do clube: o Campeonato Brasileiro da Série C, em 2010. Com o currículo recheado de títulos com o ABC, ao ser questionado sobre qual deles o marcou mais, Joca vai na contramão dos mais saudosistas e cita a conquista do Campeonato Potiguar de 2007.
- Em 2007 nós ganhamos de 5 a 2 do América-RN. O América-RN tinha um time de Série A e o campeonato estava quase perdido. Foi quando Ferdinando Teixeira foi contratado, deu uma sacudida na equipe e se sagrou campeão. Depois ainda teve o acesso à Série B - relembra.
A dor da derrota
Mas nem só de títulos é contada a história de Joca no ABC. Apesar de ter visto e presenciado alguns fracassos, o último deles, a perda do Campeonato Potiguar 2015 dentro do Frasqueirão, no ano do centenário do clube, ainda está bem fresco na memória do roupeiro. Segundo ele, o que mais dói não é o fato de ter perdido o campeonato, e, sim, pela forma como tudo aconteceu.
- Existe derrota que você fica triste pela forma como você perde o jogo. Esse título do centenário, para mim, nós tínhamos condições de ganhar, e acabamos perdendo dentro da nossa casa, o que eu não esperava. Mas no futebol existe um vencedor e um perdedor, e nós demos azar de sermos os perdedores e deixamos o título escapar dentro da nossa casa. Me machucou demais, foi uma coisa que eu não esperava - revelou.
Texto e Foto por Alexandre Filho Natal
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